Mandioca, o superalimento brasileiro

Para você, qual o ingrediente mais sensacional do planeta?
Trigo? Trufa? Milho?
Para mim, é a mandioca.

Essa raiz tuberosa, nativa do Brasil, está presente na mesa da maior parte da população e, ao mesmo tempo, é uma grande desconhecida. Muitos consomem seus diversos subprodutos sem associá-los a ela. Além do melhor petisco de bar do universo – mandioca frita é vida – e de farinha, da mandioca também se produz polvilhos doce e azedo (também chamados de fécula e goma), farinha d’água, maniva, tucupi e tucupi preto, farinha de tapioca flocada…

Dela, nada se joga fora: a mandioca é 100% aproveitável.

Com ela se prepara bijajica, bijus de goma e mandioca, dadinho de tapioca, sagu, pão de queijo, tacacá, biscoito de polvilho, farofa, bolos, cuscuz doce, maniçoba, pato no tucupi, bobó

Vamos, mesmo, saudar a mandioca. E entender mais sobre essa maravilha brasileira.

Milhares de variedades

No Brasil, existem mais de 4 mil variedades catalogadas de mandioca.
Foto: Agrosoft

BRS Purus.  Zolhudinha. Mãe Joana. Poti. Mani. Formosa. Mani Branca. Arari. Crioula. Amansa Burro. Pioneira. Fécula Branca.

Todos essas denominações tem algo em comum: são variedades de mandioca. Existem, no Brasil, mais de 4 mil variedades catalogadas. Cada uma, com características próprias quanto a quantidade de amido, cor (branca ou amarela), consistência, etc. Outro ponto altamente variável é o tempo do plantio à colheita: enquanto as precoces tem ciclos de 10 meses,  as tardias chegam a demorar mais de um ano e meio.

O diferencial mais conhecido entre as mandiocas, porém, é em relação a quantidade de ácido cianídrico. É chamada de mansa, se tiver pouco; de brava, se a concentração for alta. O ácido cianídrico, presente tanto nas folhas quanto nas raízes da mandioca, é venenoso, provocando intoxicação em humanos e animais. Para ser consumida, qualquer parte mandioca brava deve ser triturada e ‘descansar’ ao ar livre, o que elimina o volátil ácido cianídrico.  Então, torna-se perfeitamente segura.

Sudeste, Sul, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil plantam majoritariamente as variedades mansas (também conhecidas como aipim e macaxeira). No Norte, predomina a mandioca brava – e é dela que se origina a grande maioria dos subprodutos gastronômicos, como farinha d’água e tucupi.  

Áreas de produção

Maniva, as folhas da mandioca: ali se concentra a maior parte do ácido cianídrico

Os principais países produtores de mandioca, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), pela ordem, são: Nigéria, Tailândia, Indonésia, Brasil, Congo e Gana. O Brasil vem perdendo posições no ranking por conta do aumento das áreas de monocultura de soja e cana, além do avanço de áreas de pastagem.

O Pará é o estado com a maior produção de raiz de mandioca do Brasil, com safra estimada de 5,17 milhões de toneladas em 2017, seguido por Paraná e Bahia, com 2,76 e 1,75 milhões de toneladas, respectivamente. Juntas, representam quase metade da produção nacional.

Subprodutos da mandioca na gastronomia

Bun de açaí com filhote empanado na farinha d’água do Remanso do Bosque, em Belém

Apesar de ser deliciosa frita ou cozida, a mandioca é mais versátil do que isso. Bem mais versátil. Em realidade, seus subprodutos são muito consumidos do que ela in natura

FARINHA D’ÁGUA

Ir a Belém e não encher a cara de farinha – de vários tipos de farinha – é pecado dos graves

Depois de descascada, ralada, prensada (para tirar a água) e seca, a mandioca- tanto a brava quanto a mansa – se torna farinha.

Se a raiz for deixada de molho em água por alguns dias, então descascada, ralada, prensada e seca, se torna farinha d’agua ou massa puba. A grande diferença é que a fermentação (pubagem) resulta em sabores mais complexos e ácidos. Geralmente é preparada com as variedades bravas; amplamente consumida no Norte do país.

Cada uma dessas farinhas tem sabor único, resultado da variedade de mandioca utilizada, da fermentação ou não-fermentação, da granulometria da peneira, do processo de secagem, de passar ou não por torra, entre outros fatores.

CRUEIRA

Crueira: fibras e pedaços mais duros que sobram na peneira

As fibras e pedaços mais duros que sobram na peneira, quando se rala a mandioca, são chamados de crueira. O destino, em geral, é entrar na composição de ração animal.

POLVILHO/GOMA/FÉCULA 

Manipueira – caldo da mandioca ralada e prensada – separando-se do polvilho/goma

O líquido resultante da prensagem da mandioca é chamado de manipueira. É dele que se originam dois dos subprodutos mais conhecidos e utilizados na gastronomia, especialmente a brasileira: o polvilho (ou goma/fécula/amido) e o tucupi (apenas se a mandioca usada for a brava e amarela).

Após a extração, existe a decantação da fécula/goma/polvilho que, depois de seca, torna-se o polvilho doce, com o qual prepara-se a famosa tapioca. Se o polvilho for deixado nesta mistura por um determinado período de tempo, começa a fermentar e, depois de seco, vem a ser o polvilho azedo.

Se a mandioca utilizada for a brava e amarela, a manipueira está no caminho para virar tucupi (leia abaixo).

TUCUPI

Tucupi- caldo da mandioca brava e um dos itens vitais da cozinha paraense- sendo fervido com chicória, alfavaca, alho e cipó d’alho no Vovó da Floresta

Tucupi é o líquido proveniente da prensagem da mandioca brava amarela, depois de separado da goma/polvilho, fermentado (o que o livra do ácido cianídrico e desenvolve sua acidez característica), misturado a alho, alfavaca, sal e chicória-do-Pará e cozido por horas. O tucupi preto – denso, escuro e com sabor parecido ao do shoyu – é a redução extrema, através de cozimento, do tucupi.

Quando for comprar tucupi, atente-se para um detalhe importante: se o líquido apresentar cor amarela-intensa, é certeza que levou tartrazina, corante tóxico (alguns produtores também adicionam açúcar e glutamato monossódico). O tucupi de qualidade tem coloração amena e fundo sedimentado.

MANIVA

Macarrão com maniçoba do Lá em Casa, em Belém

As folhas da mandioca, nas quais se concentra a maior parte do ácido cianídrico, não tem tantos usos culinários conhecidos. Contudo, as da mandioca brava são parte essencial de uma especialidade paraense, a maniçoba. A maniçoba é um cozido de maniva (que fica no fogo por dias, a fim de neutralizar o veneno) com todos os pertences comuns a uma feijoada: não à toa é conhecida como ‘feijoada sem feijão’.

Outros usos da mandioca
  • Raiz fresca, silagem da raiz, farinha, farinha de maniva: alimentação de suínos
  • Raspa residual e farelo de farinha de mesa de mandioca e farinha de maniva: alimentação de aves  
  • Farinha de raspa de mandioca como substituta da farinha de trigo na colagem de lâminas de compensados
  • O amido extraído da planta é essencial nas fábricas de tecelagem. Com a substância se faz uma goma que dá resistência aos fios com que se produz tecidos.
  • O amido modificado de mandioca surgiu como uma alternativa mais eficiente e barata, em comparação ao amido modificado de milho, usado na fabricação do papel.
  • A fécula de mandioca se tornou um elemento chave na substituição de compostos derivados do petróleo.

 

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