Vinho brasileiro ‘reservado’: o MAPA e suas pataquadas

Será que essas bobagens saem da cabeça de funcionários do MAPA ou são fruto de lobby de gananciosos sem escrúpulo

O MAPA, Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, não para de fazer suas pataquadas. Agora foi a Instrução Normativa de 14 de fevereiro que veio regulamentar e criar uma categoria de vinhos que só servem para iludir o consumidor brasileiro: o vinho RESERVADO. Acredite se quiser.
AQUI você pode ler a íntegra dessa Instrução Normativa:

Em minha opinião, o objetivo das normatizações deveriam ser estimular a qualidade dos vinhos e proteger o consumidor. Mas não no MAPA. A idéia é confundir, mesmo. A começar que os vinhos brasileiros sempre foram limitados a dois tipos:

  • Mesa: elaborados com qualquer tipo de uvas, das espécies labrusca (uvas americanas) ou vinífera (uvas européias).
  • Vinho fino: elaborados exclusivamente com uvas da espécie Vitis vinífera e com graduação alcoólica de 10% a 14%

Porém, com o objetivo de seduzir  mais do que informar, os produtores sempre lançaram mão de termos como: Seleção, Reserva, Gran Reserva, Ícone, Premium, Super Premium, sugerindo ao desinformado consumidor que se tratava de algo especial. Não eram.

O campeão dessa manobra foi o vinho reservado da Concha Toro – acredito que ainda hoje seja o campeão de vendas-, que virou até piada entre chilenos sobre brasileiros, uma vez que esse termo não existia e nunca significou nada.

Agora o MAPA, em lugar de colocar ordem nessa coisa toda, fez foi confundir ainda mais, ridicularizando o Brasil internacionalmente. Justo agora que temos na Presidência da OIV (International Organisation of Vine and Wine) uma brasileira das mais competentes, a Dra. Regina Vanderlinde.

Veja:

No Artigo 30: Em função de características adicionais de qualidade, o vinho fino e o vinho nobre (?!), produzidos em território nacional, podem ser classificados como:

Inciso 1º: Reservado: vinho jovem pronto para consumo, com graduação alcoólica mínima de 10% vol.
Inciso 2º: Reserva: quando o vinho com graduação alcoólica de 11% vol. passar por um período mínimo de envelhecimento de 12 meses (tintos) ou 6 meses (brancos) sendo facultada a utilização de recipientes de madeira apropriadas.
Inciso 3º: Gran Reserva: quando o vinho com graduação mínima de 11% vol. passar por um período mínimo de envelhecimento de 18 meses (tintos) ou 12 meses (brancos) sendo obrigatória a utilização de recipientes de madeira apropriada de no máximo seiscentos litros de capacidade por no mínimo 6 meses (tintos) ou 3 meses (brancos).
Em relação a chaptalização (adição de açúcar ao mosto para aumentar volume de álcool), é permitida em até 2% nos Reservados, 1% no Reserva e vedada para Gran Reserva.
No Artigo 34: São classificados e denominados Vinhos Nobres, aqueles elaborados no território nacional exclusivamente a partir de uvas da espécie Vitis vinífera que apresentarem teor alcoólico de 14,1% vol. a 16% vol. Neste vinho é vedada a chaptalização e pode ser seco, meio doce e suave ou doce. 

Ora, bastaria aumentar a graduação dos vinhos finos para 15% vol e estava resolvida a questão. Sobre os teores de açúcares, deveria ser somente seco.

A mesma IN, em seu artigo 108, admite que  “as bebidas alcoólicas, exceto as fermentadas, com graduação alcoólica superior a 15% vol. poderão conter em sua rotulagem a expressão bebida alcoólica espirituosa”. Ou seja, o que era insuficiente agora ficou confuso. Perdeu-se a oportunidade de classificar os vinhos das novas tendências conhecidos como Orgânicos, Biodinâmicos e Naturais, por exemplo.

Poderiam ter estabelecido regras e padrões em especial em relação ao uso de SO2, que  hoje tem liberdade quase total e parâmetros muito mais altos que de países conhecidos pela qualidade de seus vinhos.

Com essas novas categorias temos agora:
Reservadocategoria totalmente dispensável que só cria confusão, ilude o consumidor e parece dar cobertura a malandragem de vinhos muito simples chilenos. Uma vergonha. Mostra que não houve critérios técnicos nisso.
Reserva: começam errando ao estabelecer 11% de vol. alcoólico e permitindo chaptalização de 1% (?!). Ora, o correto deveria ser a graduação alcoólica entre 12,5 e 13% vol e proibida a chaptalização. Isso regularia a qualidade e obrigaria o uso de uvas maduras. Seria um padrão de qualidade. O que se espera de um vinho Reserva.

Ao exigir um envelhecimento de 12 meses para tintos e 6 meses para brancos, acabará por colocar todos os vinhos na mesma condição, derrubando por terra o termo Reserva. Ou seja, ridículo.

Na Espanha, país que usa essa especificação,  os vinhos reserva devem se envelhecidos por pelo menos 36 meses sendo, no mínimo, 12 meses em barricas de carvalho. Isso garante que os vinhos Reserva tenham de ser mais maturados e envelhecido, o que os leva a serem mais encorpados, robustos e alcoólicos.

Nos Gran Reserva. o mesmo: enquanto que na Espanha o envelhecimento é de 60 meses, sendo 18 nas barricas. No Brasil, 18 meses total, sendo 6 meses em barricas.  Está errado. E acrescento que na Espanha os produtores discutem que essa legislação não ajuda em qualidade, pois usa apenas o critério de envelhecimento como parâmetro sem considerar por exemplo rendimento ou seleção. Vejam bem a distância que estamos do mundo…

E depois, quem fiscalizará esse “afinamento” desses vinhos? Há gente para isso? Que eu saiba, há apenas meia dúzia de fiscais destinados a autuar pequenos artesãos…

Como disse o professor Adolfo Lona em seu desabafo:
“Se a classificação dos vinhos não é estímulo à superação de viticultores e vinicultores, procurando menor produtividade, uvas mais sadias e maduras e métodos de elaboração com ciclos mais longos onde sabidamente o vinho ganha complexidade, amabilidade e firmeza, o resultado continuará sendo mediano, haverá avanços qualitativos somente nos vinhos produzidos por vinícolas sérias, que procuram incessantemente a qualidade superior. Mas infelizmente, devido a legislação fraca, seus produtos serão “igualados” aos de produtores inescrupulosos que utilizam todo e qualquer mecanismo para oferecer vinhos baratos, gostosinhos, com sabores e aromas de chocolate, melosos, biônicos. Estes continuarão usando os habituais chips que se transformam em românticas barricas em seus charmosos rótulos.”

O que fica disso tudo é o seguinte: será que essas bobagens saem da cabeça de funcionários do MAPA ou são fruto de lobby de gananciosos sem escrúpulo e deputados venais que pressionam esses profissionais? Eu fico com a segunda alternativa, afinal é a norma neste nosso lindo e tropical Brasil brasileiro.

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