Kitanda Brasil: comida feita com paixão, conhecimento e talento de sobra

Fui para Gonçalves, MG, comer em um restaurante sobre o qual me falaram maravilhas, bem famoso por lá, cujo menu alardeia alta gastronomia e os preços parecem ter saído do cardápio do D.O.M.; também aproveitaria para ir à inauguração de um bar dos mesmos donos. A comida estava péssima (a massa do profiterole, tão macia quanto concreto seco; o drink “especial” tinha gosto de xarope com Tanjal) e ainda esperei uma hora e meia entre a entrada e o prato principal. O bar? Seguia o mesmo padrão da casa mãe. Ou seja: dei minha incursão gastronômica por Gonçalves por perdida e desastrosa– até que, no lindo e ensolarado domingão, resolvi entrar em um restaurante bem do simpático, chamado Kitanda. Três horas depois, ainda não queria sair de lá. Nem parar de comer.

A proprietária, Tanea Romão, mudou para Gonçalves há 10 anos quando entrou em crise por trabalhar em uma fábrica de derivados de plástico (“Tudo o que fazia era prejudicar o meio ambiente, coisa que valorizo profundamente; precisava mudar radicalmente de vida“), é uma das fundadoras da A Senhora das Especiarias — produtor artesanal de algumas das melhores geléias e chutneys do país–, na qual era a responsável pela pesquisa de aromas/sabores e impletamentação de técnicas de preserveção. Mas ela queria algo além da produção dos quitutes: queria botar a mão na massa na cozinha. A idéia de fazer um cardápio que prioriza comidas regionais mineira e de boteco veio da vontade de homenagear as receitas tradicionais (ajudou também o fato de ser amiga de Rodrigo Oliveira, o queridíssimo e talentoso chef do Mocotó).

A primeira coisa que se nota no Kitanda é o cuidado com os detalhes: louça graciosa, jardim super bem cuidado no qual as cadeiras e mesas ficam deliciosamente dispostas, o aromas das especiarias invadindo as narinas. A segunda coisa, percebe-se assim que chega o couvert: Tanea domina a cozinha e ama profundamente o que faz.

O menu-degustação (R$ 44 por pessoa) começa com pão de trigo caseiro de fermentação lenta acompanhado de manteigas com maracujá, manga, frutas vermelhas, abacaxi com cachaça, tapenada (sem aliche) e pesto de manjericão com castanha-do-pará.  Todos– e digo TODOS– os acompanhamentos do macio e quente pão estavam ótimos.

Na sequência, levíssimos e delicados bolinhos de arroz recheados com queijo serra da canastra, torresminho e os molhos (todos fabricados por ela, claro): creme de maracujá (que leva só ovos, manteiga e polpa de maracujá), geléia de frutas vermelhas e curry de banana (banana prata picadinha com especiarias e pimenta). Um à parte: FOI O MELHOR TORRESMO DA MINHA EXISTÊNCIA. Sério. Crocante por inteiro, sem nenhuma parte mais queimada ou dura; fininho; de tão fresco e quente, estalava ao toque da menos gota de limão sobre ele. Sensacional.

Para melhorar, depois provei um dos petiscos que, sem dúvida, vou levar o gosto comigo para sempre: bolinho de tapioca com queijo serra da canastra coberto por creme de chocolate com cachaça. “É uma variação da tapioca com coalho do Mocotó– mas o Rodrigo sabe que faço este! Liguei para ele para pedir autorização“, diz Tanea. Graças aos céus ele autorizou, porque é coisa de mestre: o sabor potente da cachaça mistura-se ao cremoso do mel e, na língua, quando encontra o salgadinho do queijo e o crocante da parte externa da tapioca, que entrou em contato com o óleo da fritura, é uma explosão completa e intensa e complementar de sabores. Ah, também vem um gostoso biscoito de polvilho salgado frito, regado com mel. Então, uma saladinha com tomate confitado na cachaça e pipoca de tapioca; arroz, feijão, purê de batata doce, couve e lombo maciíssimo.

Ah, a sobremesa, mais uma prova (naquela altura, já desnecessária) do talento de Tanea em brincar com ingredientes: sopa fria de queijo com mamão cristalizado e doce de leite. Olha, não sou fã de doce de leite porque acho o dulçor excessivo– por isso mesmo AMEI quando, ao pegar os três componentes do doce juntos– o senti perdendo força e ganhando vida ao se misturar com a delicada sopa de queijo. Mais uma vez, delicioso.

Para terminar, café coado— mas é você que coa, na hora, na sua xícara. E adoça com os açúcares aromatizados que ela prepara, de canela ou cardamomo.

Felizona, ainda passei na pequena lojinha que Tanea tem na entrada do restaurante, comprei o curry de banana, uma mostarda campesina e o vinagre aromatizado com especiariais. Ao entrar no carro, tive a certeza: Gonçalves vale pela paisagem exuberante, o friozinho que amo, pela simpatia e talento de Tanea e de seu Kitanda. Deixo os restaurantes e bares “da modinha” para quem acha bacana pagar R$ 65 em um risoto que parecia ter sido regurgitado– e, pelo tamanho da porção–, por uma criança.

Kitanda Brasil: Rua Antonio Caetano Rosa, 217, Centro, Gonçalves, MG. Tel.: 35/3654-1406

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