Peranakan: sabores únicos nascidos da mistura entre chineses e malaios

Quitutes peranakan: Otah, Nine Layers (colorido) e Nyonya Bachang

Cingapura faz fronteira com a Malásia. É vizinha da Tailândia, do Cambojda, do Vietnã e da China. Seus idiomas oficiais incluem mandarim, tamil e inglês. Já fez parte da Malásia. Foi colônia inglesa. Voltou a ser da Malásia. Até que em 1965 conquistou sua independência. Hoje é possível notar essa mistura de influências cultuais e geográficas em cada bairro (Little India, Chinatown, Arab Quarter) e principalmente em cada hawker centre. “Hawker”, o termo usado para designar vendedor de comida de rua, foram agrupados pelo governo há alguns anos – buscando melhorar a higiene do que é servido-, em dezenas de estabelecimentos, parecidos com praças de alimentação, que congregam cozinheiros das mais diversas especialidades. Neles, é possível provar pratos chineses como o Pequin Duck; tailandeses como o Pad Thai; indianos como o Curry de cabeça de peixe; criados em Singapura como o Chicken rice (vou falar sobre todos eles no próximo post). Sempre baratíssimos (cerca de 4,50 reais) e sempre com traço cultural fortíssimo. Mas para mim, o máximo dessa mistura de raças é a cozinha Peranakan.

Spring roll vegetarianos feito no restaurante; Babi PongTay, feito com ombro de porco, pasta de feijão e canela

Peranakan é o grupo étnico criado pela miscigenação dos malaios, os primeiros habitantes da cidade-estado, com os chineses que se estabeleceram por ali. Também conhecida como Nonya – palavra malaia para se chamar, com afeição, as mulheres da casa-, a culinária peranakan usa muito o wok, como os chineses, pega leve na pimenta (ao contrário dos malaios) e adapta diversas receitas das duas culturas com a troca os ingredientes que não eram encontrados em Cingapura. O resultado é tão rico em sabor e aroma que chega a lembrar, em alguns momentos, a cozinha indiana. Usa-se muito canela, anis estrelado,  cravo, noz moscada, cominho, pimenta do reino, cardamomo, galangal e capim-limão.

Eu e o chef; os viciantes Kueh Pie Tee; ingredientes para o preparo do Lady Finger’s (ou o nosso quiabo) no Sambal Bendy

A primeira garfada que dei em um prato peranakan foi… abismante. Quando aquela travessa chegou a mesa, juro que não entendi direito: o que mesmo estava fazendo ali aqueles pedaços de frango, tão comuns? O que eram essas bolotas pretas?  Porque tinha cheiro de defumado? Era o Ayam Buak Keluak, que acabou de tornando uma das minhas refeições prediletas na viagem.

Ingredientes para o preparo de um dos pratos-ícone da culinária Peranakan, o Ayam Buak Leluak. Trata-se de um cozido de frango com uma noz extremamente venenosa – e gostosa!-, que exige habilidade especial

Keluak é uma noz altamente venenosa. Seu principal ingrediente ativo é cianeto. Mas os peranakans descobriram uma maneira segura de consumi-la: permanece na água por 3 dias, que vai sendo periodicamente trocada; depois, é cozida três vezes, também com troca de água. Tanto trabalho tem razão de ser: é deliciosa, única. Dá para dizer que seu interior pastoso, negro, tem sabor da mistura entre uma boa e gorda azeitona preta, um tiquinho de chocolate amargo, e uma forte pegada defumada. E este cozido com frango, cominho, pasta de tamarindo, cebola, entre outros ingredientes, é inesquecível.

Dois Ayam Buah Keluak que comi: o primeiro do restaurente Blue Ginger; o segundo, e sensacional, do Kim Choo

Fomos em dois restaurantes peranakans, Kim Choo e Blue Ginger. O primeiro é quase um centro de cultura peranakan, com venda de roupas feitas à mão, comida, artesanato. O segundo, mais elegante, tem um extenso cardápio de especialidades. No Kim Choo, além do Ayam Buak Keluak, recomendo muitíssimo o Otah – pasta de peixe temperada com chili, cominho, capim-limão, misturados a leite de coco, envoltos em folhas de bananeira e assados no carvão -, o Nyonya Bachang – um dumpling delicioso de arroz glutinoso recheado com carne de porco refogada em cinco especiarias e assado na folha de bananeira- e o doce chamado de Nine Layer (ou nove camadas), feito com farinha de arroz e açúcar e tingido de verde pelo uso da folha de pandang, planta (com cara de capim-limão) muitíssimo usada na culinária asiática.

O salão do Blue Ginger; Sambal Bendy, quiabos cozidos com molho picante de camarão

No Blue Ginger -que tive o prazer de visitar a cozinha-, mais formal, adorei o Sambal Bendy, quiabos cozidos com molho picante de camarão e pirei o cabeção no Kueh Pie Tee, cestinhas de massa de arroz recheadas com camarões, alho, cebola, cenoura e ovos, muitíssimo consumidas em Cingapura (você encontrará em diversos hawker centres). Para sobremesa, recomendo algo que realmente curti: Chendol. Estranhaço para nós, é um doce não muito doce, mega refrescante, feito com gelo ralado com leite de coco, feijões vermelhos doces, gelatina verde de arroz em formato de verminhos com sabor de pandang e uma calda grossa, Gula melaka, feita de açúcar de palmeira. Mas isto, explicadinho e com foto, fica para o próximo post.

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