Vai um copo de coquetel químico geladinho?

A cerveja é uma das bebidas preferidas dos brasileiros, seja por nos refrescar em nosso clima quente, como por ter, na maioria das vezes, teor alcoólico baixo, o que a torna um excelente socializador. Mas você sabe como ela vem sendo feita?

Uma lei fundamental pra história da cerveja é a Reinheitsgebot ou, como conhecemos no Brasil, a Lei de Pureza da Baviera, na Alemanha, criada em 1516 com o objetivo de arrecadar mais impostos sobre os insumos. Hoje, porém, ela se tornou a lei de proteção ao consumidor mais antiga do mundo ainda em vigor. O resumo da Reinheitsgebot é: dentro do seu copo de cerveja só pode haver água, malte, lúpulo e fermento (levedura). Fazer cerveja seguindo a Lei de Pureza não significa obrigatoriamente que ela será boa: o cervejeiro pode errar na escolha das matérias primas ou no processo. Mas, boa ou ruim, o consumidor sabe exatamente o que está bebendo.

No Brasil, a coisa é diferente. A legislação brasileira permite substituir o malte de cevada por até 45% de outra fonte de carboidratos, chamados de ‘carboidratos não malteados’. Até pouco tempo usava-se milho ou arroz; atualmente, utiliza-se a High Maltose (em português, Xarope de Alta Maltose), um concentrado superprocessado de açúcares provenientes do milho. Seria como se o milho fosse a cana de açúcar e o Xarope de Alta Maltose, o açúcar refinado. Então, os memes sobre cerveja de milho estão bem desatualizados: o correto seria ‘cerveja de Xarope de Alta Maltose’.

As marcas que usam High Maltose (HM) alegam que fazem isso para a cerveja ficar mais leve. Mas não é verdade. Usa-se HM apenas para diminuir o custo de produção: qualquer mestre cervejeiro conseguiria fazer uma cerveja puro malte leve e refrescante.

Mas há coisa pior.

Tabela da Anvisa com os aditivos cervejeiros permitidos no Brasil: 99% deles não precisam vir escritos no rótulo

A legislação brasileira libera o uso de muitas substâncias químicas para acelerar a fabricação da cerveja, mais químicos para mascarar o que este processo rápido causou de ruim na bebida e ainda mais químicos para conservá-la e estabilizá-la depois de pronta – e a grande maioria deles não precisa ser declarado no rótulo.

O tempo médio para uma cerveja fermentar e maturar deveria ser de 20 dias. Contudo, a grande indústria consegue fazer “cerveja” em 7 dias: usam enzimas para acelerar a mostura, substâncias para fermentar com rapidez e para decantar o fermento, antiespumante durante a fermentação para ganhar espaço dentro dos tanques, estabilizadores pós-filtragem, formadores de espuma para fingir que o trabalho foi bem feito, antioxidantes, conservantes, estabilizantes…. a lista é longa. Ainda colocam corante na pilsen para deixá-la amarela e não precisam declarar esse corante na lista de ingredientes. Aqueles que o usam, dizem que é para corrigir a cor do malte, que varia entre lotes. Em realidade, se não utilizassem, a coloração seria parecida com a da água, já que quase não há malte na receita.

Ainda no tópico ‘malte’: sabe aquela cerveja preta docinha? Então, não leva nada de malte tostado, o que seria o correto. Ela é apenas a cerveja pilsen com muito corante caramelo, por isso fica escura e doce. A cerveja escura preparada com malte tostado é o oposto disso: é seca, adstringente, tem aroma e sabor de café, chocolate amargo e toffee. Vale ressaltar: tudo isso é feito de acordo com a legislação e não está restrito só as megas cervejarias… Muitas “artesanais” utilizam a mesma prática. E como o consumidor consegue identificar esses truques na cerveja? Aí o negócio fica difícil… Teria que pesquisar a marca e estudar a cervejaria antes de beber. Mas nem sempre queremos ter esse trabalho na hora do happy hour.

A cerveja para ser boa não precisa seguir a Lei de Pureza da Baviera e ser apenas feita com água, malte, lúpulo e fermento. Há muitos estilos que levam frutas, ervas, especiarias e outras fontes de carboidratos que são usados para melhorar a bebida. O problema está na liberação de atalhos químicos com o único objetivo de baixar o preço final. Eu acredito na pressão dos consumidores para mudar esse cenário: precisamos não só parar de consumi-las e passar a comprar de quem faz bons produtos, como também pressionar os políticos para elaborar leis que beneficiem o consumidor, não as grandes empresas. 

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