Muito Brasil, muito nosso e muito bom

Barreado: uma das receitas do novo livro de Heloísa Bacellar, “Cozinha Brasileira – Histórias e Receitas”. Foto: Romulo Fialdini

Nesse nosso Brasil, não faltam lugares com características bem próprias, ingredientes preciosos, modos de tratar tais produtos e de cozinhar únicos e é claro que toda essa riqueza deve ser preservada, valorizada e prestigiada pelos próprios brasileiros, que nem sempre conhecem e dão a devida importância, e também por quem é de fora. Só que conhecer, valorizar e prestigiar são atitudes nem sempre simples, pois o país é grande demais, o ir e vir dos produtos regionais sofre com as dificuldades dos transportes e com os mil empecilhos que surgem de todos os lados –e há o tal sentimento meio que vira-lata em relação à comida do lugar.

As pessoas nem sempre percebem que a sua comida reflete o que existe de maravilhoso na sua região, tanto de ingredientes quanto de povoamento e de cultura. Também não se tem alcance de que as comidas de um lugar não aconteceram porque alguém decidiu que deveriam ser de uma forma ou de outra, mas simplesmente porque envolviam os ingredientes disponíveis e os saberes do povo de lá.

O fato é que as receitas com raízes, nos mais diferentes lugares do mundo, não surgiram sofisticadas nem usando ingredientes considerados valiosos, muito pelo contrário.

Bolo de Castanhas: uma das receitas do novo livro de Heloísa Bacellar, “Cozinha Brasileira – Histórias e Receitas”. Foto: Romulo Fialdini

Essas receitas só passam a ser vistas de outra forma quando caem nas nas graças de gente de fora, tanto por visitantes que se encantaram quando experimentaram e começaram a falar, como por jornalistas, pesquisadores, escritores e, como não poderia deixar de ser, cozinheiros apaixonados por comida e que adoram conhecer, usar e criar com ingredientes e técnicas diferentes. Um exemplo clássico é o confit de pato francês, que nasceu da necessidade de se conservar a carne dos nem sei quantos mil patos que viviam nas redondezas por mais tempo e, como não havia geladeira, a solução era guardar na própria gordura. A mesma técnica aparece em vários países, inclusive em Portugal e aqui no Brasil com o porco. Nada disso nasceu com intuito de requinte, e sim por pura sobrevivência, mas com o tempo tudo mudou. Na Amazônia, a caldeirada de peixe quase sempre segue o mesmo preparo, mas leva o peixe que se tem por perto. A vida é assim.

Há não muito tempo, quase não se falava em cozinha brasileira e em ingredientes daqui. Surgiram os primeiros movimentos, a coisa começou a crescer, um número maior de pessoas começou a se interessar em viajar e em conhecer outros lugares do país, chefs passaram a usar ingredientes e técnicas até então bem restritos aos seus lugares de origem e a criar novos pratos com esses aprendizados. Não dá pra negar que isso vem acontecendo e tomando força, mas coisa pra fazer é o que não falta, e acho que todo mundo pode ajudar um tanto.

Eu, como alguém que adora a comida do Brasil, como chef que acredita que os ingredientes, as técnicas, as receitas de cada canto, as inovações e as ideias que surgiram com o povoamento tão diverso, e como escritora, tenho que cultivar isso tudo e tentar encantar mais e mais gente. Também penso que o que importa é fazer trabalho de formiguinha, conquistar pra valer, nunca fazendo estardalhaço como se fosse pra lançar moda, que é sempre fugaz.

Pintado com pirão: uma das receitas do novo livro de Heloísa Bacellar, “Cozinha Brasileira – Histórias e Receitas”. Foto: Romulo Fialdini

Desde que me conheço por gente, gosto do que é da terra, do que é simples, da rusticidade, do verdadeiro, e o meu trabalho sempre refletiu esse meu jeito de ser. Já escrevi vários livros e, especificamente sobre cozinha brasileira, o primeiro que fiz foi pra dar força a um trabalho que fiz na França, era uma edição pequena. Desse trabalho, surgiu um livro de cozinha brasileira também na França, pela Larousse, e que fez bastante sucesso por lá. Logo depois, há uns 4 anos, escrevi um livro sobre comidas que fazem parte do dia a dia do brasileiro, o “Brasil à mesa”, pela DBA. Veio a ideia desse novo livro sobre Brasil – “Cozinha Brasileira – Histórias e Receitas” -, uma proposta envolvendo a DBA, a Nadir Figueiredo e o Proac – e logo aceitei o desafio. Aceitei porque achei o máximo falar um pouco sobre como se come em cada um dos cantos do Brasil, sobre os ingredientes locais e sobre os de fora que passaram a fazer parte da vida das pessoas daqui e de lá, e, como não poderia deixar de ser, dar receitas deliciosas.

A ideia é fazer com que cada vez mais as pessoas se interessem pela nossa cozinha, que fiquem com mais vontade de conhecer essa riqueza toda, que cozinhem e experimentem muitas receitas diferentes e gostosas demais. Salmão, linguado e ervilha quase todo mundo conhece, acho que está mais do que na hora de conhecer pirarucu, pacu e pequi.

Não foi nada fácil fazer com que uma cozinha tão grande coubesse num livro só, era coisa demais e eu queria falar pelo menos um pouquinho dos ingredientes, das influências e das receitas mais representativas de cada lugar. O próximo passo? Pesquisar ainda mais, experimentar e comer muito mais, cozinhar ainda mais e, quando puder, escrever mais um bom tanto sobre esse nosso assunto demais de bom.

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