“Comida funcional” não existe. O que existe é… comida.

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Perdoem o mau humor, mas não faço comida funcional. Eu faço comida. Ponto.

Se é saudável, sustentável, orgânica ou funciona pra alguma coisa, isso não é uma questão de rótulo. Ou não deveria ser. Ser verdadeiramente sustentável e saudável é convicção, estilo de vida, conceito e muita, muita ralação na ostra para sempre dar um passo à frente.

Nunca gostei do termo “funcional”, hoje em dia tão banalizado por gente que usa isso como desculpa para surfar apenas na superfície do assunto. Como diz uma amiga, “tudo o que comemos, no fim, funciona pra alguma coisa”. Meio óbvio. Mas da mesma maneira que gostamos das dietas da vez, gostamos também dos ingredientes da vez. E agora que estamos vivendo o momento da modinha de ser saudável, tudo tem que “funcionar”, tudo tem que ser réxitégui alguma coisa.

#Semfarinhasemtrigosemaacucarsemgordurasemglutengrainfreeveganrawpaleofitfuncional.

Isso me irrita profundamente.

Até porquê tem muita gente réxitégui funcional-fit-semglúteos-semfarinhasemaçúcarsemlácteos trabalhando com o quê? Sim, com produtos industrializados, de agricultura convencional, lotados de aditivos, com frango de granja temperado com antibiótico, com carnes provenientes de confinamento, com grãos que mal germinam, com frutas que são bombas de frutose e aceleradores de maturação….. e, além disso, dissociando totalmente os nutrientes do alimentos e o alimento da dieta. E a dieta da individualidade sazonal, pessoal e cultural. Ou seja, a galera está fazendo um baita Frankenstein gastronômico.

Sem contar o povo que acha que funcional e saudável não tem relação com sustentável e orgânico. Como se toneladas de chia, gordura de coco e nuts fossem “eliminar” os malefícios de uma dieta tora, baseada em produtos super processados, leite de mentira, pães com mais aditivos do que grãos.
A verdade é que muito pouca gente sabe o que está dizendo. Radicalismo não é saudável. Produtinho fit embaladinho no supermercado não é saudável. Fazer a dieta da moda pois a atriz famosa também fez não é saudável. Jejum sem orientação não é saudável. Encher o derriérre de proteína sem orientação não é saudável.

Mas num mundo onde se compartilha sem ler, é muito fácil ficar apenas boiando. Afinal, dá trabalho se aprofundar. E não te deixa famosinho, não atrai seguidores no Instagram.

Não me entendam mal: meu mau humor não é uma crítica a nenhuma linha alimentar – aliás sou simpatizante da maioria ali acima, e sou assumida chata quando o assunto é saúde e alimentação. Minha revolta é pela superficialidade, pelo marketing burro, pela histeria coletiva em cima do tema tão sério e, hoje, tão levado como conversa de elevador.

Sabe o que fazemos e muita gente não percebe? Temos a tendência de tirar o nutriente do contexto do alimento e analisar os benefícios isoladamente. Temos tendência em tirar o alimento do seu contexto cultural e social e analisar os benefícios isoladamente. Temos a tendência em tirar a dieta de seu contexto social, e também analisar seus benefícios isoladamente.

Talvez seja essa nossa mania besta de querer ser mais inteligente do que a própria natureza. Ou a outra mania besta de achar que temos que ter sempre o controle absoluto de tudo. E a falsa sensação de que a gente “sabe o que está fazendo” querendo ou não dá uma certa paz de espírito. Mesmo que estejamos fazendo errado.  Exemplos? É tirar o leite de cúrcuma do contexto da ayurveda e querer que ele seja milagroso. É tirar a dieta mediterrânea do contexto de época, lugar e cultura, e querer que ela funcione pra todo mundo. É tirar o betacaroteno da cenoura e querer que uma cápsula seja melhor do que a cenoura em si.

Bom senso, minha gente. Não adianta ter uma dieta baseada em produtos super processados e depois se entupir de café com gordura de coco achando que vai ser a resposta pra todos os males. Não adianta tirar o glúten da dieta sem saber o que é glúten ou quais são e foram as variedades de trigo durante a história. Não adianta se entupir de goji berry e esquecer que a maioria das frutas secas vem cheias de conservantes lá do outro lado do mundo. Não adianta comer doses cavalares de amêndoas sem saber que tem que deixá-las de molho.

Você pode até ficar com a consciência mais tranquila e se achar mais saudável por conta disso. Mas não, não adianta. Sinto muito.

Ok, incluir aos poucos alimentos saudáveis já é um bom começo? É um ótimo começo. Mas isolar esses alimentos de uma dieta equilibrada e adaptada ao seu organismo, sinto muito, não vai fazer nenhum milagre. Nem pra você, nem para o mundo.

Uma abobrinha orgânica sempre vai ser mais saudável que uma barrinha funcional de supermercado. Um pão feito em casa, bem fermentado, vai sempre ser mais saudável que um pão mil grãos embalado bonitinho. O grande problema é que uma alimentação saudável é tão simples, mas TÃO simples, que pra nós, bichos deslumbrados com tecnologias e milagres, ela parece quase irreal.  Se você for bem a fundo nas plantas, flores, frutas, raízes e numa infinidade de outras coisas, vai começar a reparar que a maioria das coisas… fazem muito bem pra muita coisa. Ué, mas e os alimentos da vez, que todo mundo fala?! Oras, eles também fazem. Mas não nos esqueçamos dos vegetais do nosso dia a dia. Das coisas do nosso país, bairro, quintal.

Umas coisas fazem “mais” bem, outras menos. Mas a maioria dos alimentos que conhecemos – e alguns que nem conhecemos direito – faz sim, bem ou muito bem pra alguma coisa. Quando não para muitas coisas. Afinal, comer de maneira saudável não é uma equação, mas sim, um equilíbrio. Não é uma lista, mas sim, uma variedade.  Estamos falando de ingredientes naturais e livre de químicos nocivos, obviamente, sejam eles do mundo vegetal, animal, mineral.

Mas dá uma preguiça grande de ficar pesquisando e se aprofundando nesse tipo de assunto, né? Então é muito mais fácil sair por aí colocando superalimentos em tudo quanto é refeição, comendo salmãozinho alimentado com ração transgênica e corante em restaurantes “orgânicos” e achando que a boa e velha colherada de gordura de coco vai te fazer mais magro…

A verdade, mas que não é interessante no ponto de vista midiático (pois é muito óbvio), é que a maioria massiva dos ingredientes naturais, não processados e orgânicos vão te fazer bem e vão ter uma lista enorme de benefícios, prevenindo, curando doenças, equilibrando, trazendo nutrição e bem estar. E sendo, de quebra, muito gostosos.

Obviamente, existem alimentos mais e menos interessantes. Mas da mesma maneira que você não tem só dias maravilhosos no seu ano, como não existem só dias de sol na semana, você não precisa ao consumir itens superpoderosos em todas as refeições. Lembre-se da couve, do chuchu, da beterraba, do bom e velho feijão, das vagens, do ovinho mole de manhã com café moído na hora. Da comida com cara e gosto de comida. Acredite ou não, a lista dos alimentos que fazem-assim-muito-bem-pra-saúde é enorme e não vem em embalagens com logotipo. Não dá pra ficar endeusando alguns alimentos e transformando eles na cura para todos os males.

Quem tem o mínimo de curiosidade sobre alimentação saudável sabe que, no fundo, não tem muito segredo: é apostar em alimentos naturais, não processados, e abusar dos vegetais, legumes e verduras como base da alimentação. Comer menos proteína animal pelo bem do planeta, comer menos alimentos refinados e super processados, comer menos carboidratos. Aliás, comer menos. Fazer sua própria comida ou, pelo menos, tentar. Procurar produtos orgânicos, de pequena produção, de produção local, comer a tal da “comida de verdade”, que agora todo mundo fala.

Ironicamente, conhecemos mais comida que não é de verdade do que de verdade. E não se iludam: nem tudo que é fit, free de algo ou funcional é comida de verdade.

Na real, TUDO o que comemos funciona para algo – algumas coisas, inclusive, para nos deixar doentes.

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