A admirável entrega de um chef ao seu ofício

Pães de linhaça com suco de maçã e de limão do couvert– a delicadeza começa aqui

“A fatia que cabe aos cozinheiros na luta para evitar que o planeta se torne inabitável é defender a boa alimentação. Cozinheiros não são artistas: alguns poucos chefs até conseguem isso no momento da criação, mas no segundo em que a receita é passada para alguém e feita 50 vezes por dia, torna-se apenas um prato. Cozinheiros tem a obrigação de saber de onde vem os ingredientes e como são cultivados porque, no final, nós somos responsáveis pela única coisa que faz parte e se torna o corpo de alguém: a comida”.

Vellutata fria de tomate com semifreddo de queijo de cabra e faroda de azeitonas pretas (R$ 32)

José Barattino poderia ser mais um chef a ficar famoso preparando receitas em programas de TV. Tem todos os predicados para isso: estagiou em grandes restaurantes do mundo (como o mítico El Bulli), há cinco anos está a frente da cozinha de um dos hotéis mais elegantes de São Paulo (o Emiliano), fala bem, é simpático e tem evidente paixão pelo que faz. Mas Barattino preferiu tomar um caminho diferente: colocar em prática o conceito de sustentabilidade na gastronomia, termo proferido por uma multidão de chefs, por ser moda e pegar bem, mas raramente aplicado.

O estupendo nhoque de milho verde com coelhor (R$ 48– e o prato é o dobro deste)

Sustentabilidade pode ser definido como um conjunto de medidas e métodos de produção que se sustentem (e não consumam, sem volta, os recursos naturais), primem pelo uso de ingredientes locais e sazonais e evitem, na medida do possível, que o mundo vire uma bola de desgraças ambientais que, inevitavelmente, se tornam desgraças humanas. “A natureza está muito longe das pessoas. Hoje é quase impossível fazer uma pessoa entender porque não tem suco de manga em julho ou lichia em março. Ele vai na feira e encontra. Claro: viajou meio país de avião, está cheia de fertilizantes, foi amadurecida em estufa e não tem gosto”, diz. “Meu foco é o sabor. Nunca diminui o sabor do prato pela estética, pelas cores. E se o sabor é o mais importante, tenho que cuidar dele desde o momento em que está de formando. Uma salada de tomate que está no seu prato hoje, há seis meses era um negócio minúsculo dentro da terra. Tenho que respeitar e entender isso”.

Carpaccio com cogumelos e Grana Padano, prato incluso no menu executivo

Em 2006, o chef iniciou um trabalho de prospecção de pequenos produtores de laticínios, verduras e legumes que primassem pela pequena produção, orgânica ou biodionâmica: “Vi que o maior problema deles não era plantar, era a logística, a administração e a distribuição”. Sem clientes fixos em São Paulo, sem incentivo fiscal, os produtores acabavam vendendo suas propriedades e mudando para alguma cidade. “Só em 2009 consegui formar uma articulação com alguns produtores da região de Itatiba. Demorou, mas firmamos uma parceria com o hotel e começamos a trazer os produtos, regularmente, em janeiro deste ano”, diz. “No final de 2010 realizamos uma feira para apresentar esses fornecedores a chefs, amigos e mídia, e facilitar a vida dos restaurantes que alegavam não ter tempo de procurá-los. Não me importo em fazer esse trabalho e dormir menos se for para termos uma alimentação melhor”, diz. “Minha inspiração está e sempre estará na horta”.

O impecável escalope de vitela alla milanese acompanhado por risoto primavera e abobrinhas crocantes– prato do menu executivo

Comer no Emiliano é provar o frescor dos ingredientes, o apuro técnico chef e os sabores que essa mistura produzem. Sabores delicados, equilibrados, harmoniosos. Há tempos acho Barattino um dos melhores chefs do Brasil, mas sua postura não-marketeira acaba relegando-o ao reconhecimento apenas no mundo fechado da gastronomia. Quando pergunto porque ele não se vende melhor, já que é um profissional de trabalho relevante e talento evidente, ele apenas sorri, tímido. Depois de um almoço sensacional (que você pode ver pelas fotos do post), não resisti a ser sincera, por mais estranho e atípico que elogios possam parecer hoje em dia: “Amo sua comida e, mais ainda, amo a entrega que você tem ao seu ofício”.

Salada de codorna defumada em carvalho americano, vagem, alface, trufas negras, flor de sal e vinagrete de amêndoas (R$ 38)

Seja em um longo jantar de menu-degustação harmonizado com vinhos (o de quatro tempo custa R$ 300 por pessoa; de oito tempos, R$ 410. Semvinho, saem por R$ 150 e R$ 210, respectivamente), seja no menu executivo de almoço (que custa, pasmen!, apenas R$ 48), fica evidente uma coisa: quem ama o que faz, faz melhor. E sem precisar fazer alarde.

Emiliano: Rua Oscar Freire, 384 , Jardins, Tel. 3068-4390

Atualização: José Barattino não está mais no Emiliano (10/01/2013)

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