Arca do Gosto: conheça os incríveis ingredientes brasileiros que correm o risco de desaparecer

A Arca do Gosto é um catálogo mundial do movimento Slow Food para localizar, descrever, divulgar e proteger produtos ameaçados de extinção, mas que se encontram ainda vivos, com potencial produtivo e comercial. A lista, dividida em categorias como raças animais, frutas e verduras, reúne hoje mais de 2000 ingredientes de diversos países, sendo quase 50 brasileiros. Conheça melhor alguns deles:

Araruta
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A araruta é um rizoma fibroso nativo da América do Sul a partir do qual se faz uma farinha muito fina e extremamente branca, usada para preparar mingaus, biscoitos, bolos e brevidades, além de engrossar molhos. Sua farinha é leve e de fácil digestão, e confere essas qualidades aos produtos que a contenham. Outra característica importante da farinha de araruta é que é livre de glúten, e portanto uma alternativa ao trigo, centeio e cevada. Os rizomas da araruta podem atingir comprimentos de até 30 cm, são de cor clara e cobertos por uma pele fina, que descasca facilmente. Para extrair a farinha, os rizomas são moídos, peneirados e lavados para separar a fibra e decantar o amido. Há evidências de que já se cultivava araruta há 7000 anos.
No Brasil, os índios Caraíba e Caiapó, da Amazônia, cresceram entre inúmeras variedades desta espécie, que eram geralmente produzidas pelas senhoras das tribos, e consumidas em caso de escassez de alimentos, inundações ou problemas na colheita. As mulheres extraiam o amido da araruta e usavam para engrossar sopas dos idosos e crianças, bem como para fortalecer as mulheres depois de terem dado à luz. A araruta desempenhou um papel importante na confeitaria e fez parte da infância de gerações de brasileiros, especialmente em áreas como o Recôncavo Baiano. Porém, muitas pessoas que costumavam comer produtos feitos com farinha de araruta em sua infância têm notado o seu desaparecimento gradual.
Nas últimas décadas, a farinha de araruta foi sendo substituída pela farinha de trigo ou de mandioca no mercado, que são produzidas mais facilmente e de forma industrial. Essas mudanças levaram a uma enorme redução no cultivo e ao seu quase desaparecimento das fazendas e mercados. A Associação dos Produtores Orgânicos do Recôncavo da Bahia tem projetos para promover o cultivo de araruta e fornece para mercados do Recôncavo e Salvador.

Aratu
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As águas dos mangues do Estado de Sergipe, no Nordeste Brasileiro, sempre foram ricas em diversas espécies de caranguejos. Na área de Santa Luiza do Itanhy, em particular, as lagos sempre foram ricos em um caranguejo especial, de pequenas dimensões e de carne saborosa e delicada: o Aratu. A coleta de Aratu sempre foi atividade feminina para subsistência.
O crustáceo vive no mangue, em buracos na areia ou dentre ramos de vegetação. Por outro lado, assim como já aconteceu com o caranguejo comum, os coletores de Aratu de Santa Luiza do Itanhy percebem, de ano em ano, a redução da quantidade de aratu em seus manguezais. Este fenômeno é em parte devido à criação intensiva de camarões na área, poluindo os manguezais com a ração usada para a alimentação. Outra razão é também a pesca ou coleta não sustentável dos recursos por parte de alguns coletores da área, que pescam e consomem animais pequenos e fêmeas com ovas. A carne de caranguejo é rica em proteínas, vitaminas e sais minerais e possui baixo teor de gordura.

Arroz vermelho
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O arroz vermelho foi introduzido no Brasil pelos portugueses, no século XVI, na então Capitania de Ilhéus, atualmente Estado da Bahia. Ali ele não chegou a prosperar, mas teve grande aceitação no Maranhão nos dois séculos seguintes. Em 1772, por determinação da Coroa de Portugal, que só tinha interesse na produção do arroz branco para suprir a metrópole, os agricultores foram proibidos de plantar o arroz vermelho no Maranhão. Com isso, a produção migrou para a região semiárida, onde ainda é encontrado, principalmente no Estado da Paraíba. Ali, o arroz vermelho constitui um dos principais ingredientes da culinária regional, sendo considerado um alimento especial nas casas das famílias e restaurantes do interior.
Além disso, em alguns municípios do Sul do Ceará, o arroz vermelho já foi um importante componente da dieta alimentar das mulheres em trabalho de parto, pois se acredita que o produto possua propriedades que propiciam o aumento da produção de leite materno. Estima-se que a superfície atualmente cultivada com arroz vermelho esteja reduzida a um terço do que já foi no passado, muito embora a demanda por parte dos consumidores não tenha diminuído. A Paraíba é o Estado que reúne a maior produção de arroz vermelho no Brasil, sendo destaque especial o Vale do Rio Piancó, uma bacia hidrográfica de solos naturalmente muito férteis, cujo isolamento geográfico e a completa inexistência de tecnologias para esse cereal não permitiram até hoje a introdução de qualquer outro arroz.
Com uma área anualmente plantada em torno de 5 mil hectares, o Vale do Piancó constitui o verdadeiro refúgio do arroz vermelho no Brasil. O arroz vermelho cultivado no ali pode ser considerado um produto ecologicamente limpo, pois nunca recebeu qualquer tratamento com agrotóxicos. Os sistemas de cultivo praticados até hoje são bastante rudimentares. Plantado predominantemente por pequenos agricultores, como lavoura de subsistência, esse arroz apresenta baixos níveis de produtividade. Além de ser o componente básico da dieta alimentar das populações que habitam grande parte do semiárido nordestino, ultimamente vem se verificando uma demanda crescente por parte de restaurantes localizados em grandes centros consumidores do país, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Babaçu
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A produção de coco de babaçu está concentrada no parte sul do estado do Maranhão, ao norte do estado de Tocantins e no estado do Pará. No sul do Maranhão cerca de 1550 famílias de agricultores familiares e extrativistas vivem da produção do babaçu e produtos derivados. O babaçu é um tipo específico de palmeira que cresce de forma extensiva no nordeste do Brasil e produz um coco muito pequeno. O coco é geralmente coletado por mulheres, chamadas de quebradeiras de coco babaçu. A fruta do babaçu é suplemento essencial da dieta e fonte de renda para famílias em comunidades rurais da região, e ainda hoje tem um grande valor econômico, porque rende um número infinito de produtos derivados.
Da castanha se produz o óleo de babaçu, que tem aroma de avelã e é usado em pratos regionais, especialmente à base de peixe. Os cocos são coletados nos babaçuais pelas quebradeiras, que quebram as castanhas com um machado para extrair o óleo. Os cocos caem das árvores quando estão maduros e são coletados em pequenas áreas de terra trabalhadas coletivamente pela comunidade local e trabalhadores sem terra. A apropriação ilegal da terra por grandes empresas e o aumento de cultivo de soja em grandes monoculturas industriais estão ameaçando a sobrevivência da produção do coco de babaçu.
A maior parte das castanhas é vendida para a cooperativa de pequenos produtores de Lago do Junco, na região do Médio Mearim – Maranhão, que produz o óleo e outros produtos derivados. O óleo extraído é usado para a fabricação de sabonetes, cosméticos, margarina, gorduras especiais e óleo de cozinha. Para extrair o óleo comestível, as castanhas são torradas, esmagadas no pilão e misturadas à água quente, que facilita a separação das partes oleosas das castanhas. Outro produto é a farinha do mesocarpo do babaçu, que é rica em amido e é usada em receitas locais, como por exemplo, no preparo de uma bebida nutritiva.

Cambuci
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O cambucizeiro é uma árvore nativa da Mata Atlântica, ameaçada de extinção, que dá frutos em formato ovóide-romboidal, com uma crista horizontal dividindo-o em duas partes. E é por este formato singular que se dá a etimologia do nome: deriva de kamu’si ‘ que significa vaso, pote ou urna funerária dos tupis. Um fato curioso é que foi a fartura desta fruta que inspirou o nome de um bairro tradicional na cidade de São Paulo. Da fruta, só restou o nome no local e poucos moradores sabem hoje o que é um cambuci. Trata-se de uma árvore semidecídua, higrófita e heliófita, da família das Mirtáceas, portanto, parente da goiaba, da pitanga, da guabiroba e da jabuticaba. Pode chegar a medir 8 metros, mas o desenvolvimento da planta é lento.
No formato, a árvore é quase piramidal, com tronco liso e descamável e folhas elípticas. As flores hermafroditas, brancas e atrativas, desabrocham de agosto a novembro e os frutos amadurecem de janeiro a abril. Uma das características deste fruto é que a casca fina e verde não muda de cor com a maturidade. Ela apenas se torna um pouco mais amarelada. Sabe-se que está maduro quando fica mais macio e cai dos galhos. As bagas, com cerca de 6 centímetros de diâmetro, têm polpa cremosa, suculenta, com poucas sementes. Ligeiramente doce, mas extremamente ácido como limão, o cambuci não é o tipo de fruto que se consuma facilmente in natura. Em compensação, tem muito sabor e perfume e por isto, desde o período colonial, passou a ser comum o uso da fruta para aromatizar cachaça, até hoje uma das aplicações mais difundidas nos lugares onde ainda é uma cultura viva. Os frutos servirem de alimento para jaús, pacas, macacos e tucanos.
As sementes possuem viabilidade germinativa curta. Talvez por isto ou talvez pela diminuição da fauna nativa, a dispersão de cambuci por aves e animais frugívoros não vinha acontecendo num ritmo satisfatório para a manutenção da espécie nas matas. Por sorte, a árvore ainda sobrevive em vários pomares domésticos nas cidades da Serra do Mar, com resquício de Mata Atlântica. E os moradores têm sido incentivados a plantá-la e mantê-la em seus próprios quintais, graças ao interesse gastronômico despertado pelos frutos e a descoberta de que eles podem fazer mais que simplesmente aromatizar cachaças. E hoje, o cambuci já pode ser visto como uma alternativa econômica e sustentável para os municípios que o adotaram como produto típico. Rico em fibras, o cambuci é ainda ótima fonte de vitamina C, outras vitaminas e sais minerais, além de possuir agentes antioxidantes e taninos que combatem radicais livres, retardam o envelhecimento e fortalecem o sistema imunológico.

Castanha de Baru
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O baruzeiro é uma planta leguminosa arbórea nativa do Cerrado. Seus frutos amadurecem entre Setembro e Outubro, e contém uma castanha com um sabor delicado e agradável, conhecida como Castanha de Baru. Grandes áreas do Cerrado estão sendo transformadas em fazendas com a introdução da monocultura da soja e cereais. Além disso, como a madeira do baruzeiro é usada no setor de construções, sua sobrevivência está ameaçada devido à extração de madeira para comercialização. Por essas razões, o baru está em risco de extinção, mesmo existindo leis relacionadas à proteção e preservação do meio ambiente que protegem as espécies nativas do Cerrado. A castanha de baru, quando torrada, tem sabor semelhante ao amendoim ou castanha de caju. Tem valor nutricional alto, e contém cerca de 26% de proteínas. Pode ser consumido inteiro ou para o preparo de receitas de doces típicos, como o pé-de-moleque e paçoquinha, ambos com rapadura e castanhas torradas. No Estado de Goiás, próximo à Brasília e ao Distrito Federal, comunidades produzem e vendem castanha de baru, e em algumas cidades, a castanha está sendo usada na merenda escolar.
Em Pirenópolis, a castanha é consumida principalmente pela população rural, especialmente crianças, que se abrigam nas sombras das árvores. A área de Pirenópolis foi pioneira na exploração comercial do baru e tem ligação histórica com a espécie. Nos últimos dez anos alguns projetos foram ativados no município, para a proteção e promoção do baru. O trabalho que começou com a ação isolada de algumas pessoas na região, hoje já é o carro chefe de duas associações do município: a Associação de Desenvolvimento Comunitário do Caxambu – ADCC e o Centro de Estudos e Exploração Sustentável do Cerrado – CENESC.

Néctar de Abelhas Nativas

Segundo uma antiga lenda indígena, quando Anumaré Hit foi para o céu para transformar-se no sol, ele convidou sua irmã Uniawamoni a segui-lo. Ela decidiu ficar na Terra sob a forma de uma abelha para poder ajudar os índios Sateré-Mawé a cuidar das florestas sagradas de guaraná. Essas pequenas abelhas silvestres sem ferrão são responsáveis pela polinização de pelo menos 80% da flora na Amazônia. A abelha canudo desempenha um papel especialmente importante. É parte da população local de Scaptotrigona, uma sub-família das Meliponinae, que inclui 300 espécies de abelhas tropicais americanas, todas elas muito pequenas e sem ferrão. As abelhas canudo são criadas nas aldeias dos índios Sateré-Mawé para preservar o mel Maia, que é muito líquido, aromático e saboroso.
Os apicultores maias costumavam colher mel silvestre nas florestas úmidas no Yucatán, na América Central, muito antes que os europeus introduzissem a Apis mellifera. Segundo documentos escritos antes da chegada dos espanhóis, haviam centenas de jobones (colméias em buracos de árvores), de onde o mel e a cera de abelha eram extraídos. Hoje, as espécies originais de abelha foram quase que completamente substituída por abelhas melíferas, embora a substância produzida pelas abelhas canudo seja tão diferente do mel que a melhor denominação, neste caso, seria Néctar. Cada espécie de Meliponinae produz um néctar diferente. O néctar produzido pelas abelhas canudo tem um alto teor de água e açúcar, um alto nível de acidez e propriedades medicinais.

Ostra da Cananeia

Captura de Tela 2015-10-05 às 17.07.53A ostra é um molusco bivalve de corpo suculento e conchas bastante irregulares. A ostra do mangue (Crassostrea brasiliana) é nativa dos manguezais do Brasil e vive nas águas salobras dos estuários, fixas às raízes dos mangues. Também é conhecida como ostra de Cananeia por dois principais motivos: além de a região apresentar uma alta produtividade do molusco, com estoques bem conservados e qualidade da água propícia, foi em Cananeia que se passou a explorar a espécie para fins comerciais. Até então, o mercado só tinha aceitação para uma espécie exótica de ostra, a Crassostrea gigas. Cananeia está no litoral sul de São Paulo, integrando o Complexo Estuarino Lagunar de Cananéia, Iguape e Paranaguá, por onde pode-se avistar alguns sambaquis, revelando a ancestralidade do consumo de ostras e outros bivalves.
Apesar de o consumo ser de longa data, o extrativismo comercial da ostra tem apenas algumas décadas. Inicialmente, ocorria de forma não controlada e sem preocupação com a manutenção dos estoques. O interesse comercial também não era tão grande, e o escoamento difícil, de forma que os baixos preços pagos por dúzias de ostras começaram a levar a uma intensificação nas coletas por parte daqueles que tiravam sua renda da atividade. A comunidade quilombola do Mandira está estabelecida na área continental do município desde o final do século XVIII. A área de manguezal do entorno foi considerada domínio dos mandiranos, e decretada como Reserva Extrativista do Mandira, em dezembro de 2002.
A comunidade do Mandira tem como importante atividade produtiva o extrativismo no mangue, sendo a ostra (Crassostrea brasiliana) o principal recurso gerador de renda. Esta atividade, além de apresentar papel preponderante na realidade sócio-econômica-cultural da comunidade, apresenta enorme potencial como processo produtivo sustentável devido às características ecológicas da região e biológicas da espécie. Além disso, através do apoio de técnicos da região, foi implementada na comunidade a tecnologia de “engorda” de ostras. Essa forma de manejo mostrou-se uma alternativa eficaz, pois possibilitou a comercialização durante o período do defeso, colocou no mercado um produto com melhor aparência e consequentemente melhor preço, além de ter contribuído para a conservação dos estoques de ostras jovens na região.
O processamento do recurso é dado a partir do momento em que as ostras atingem o tamanho adequado para venda. Elas são limpas e levadas para a Cooperativa dos Produtores de Ostra de Cananéia (Cooperostra), onde passam por um processo de depuração, tornando-as adequadas ao consumo. As mulheres da comunidade produzem deliciosos pratos com as ostras, como a torta de ostra, o pão de ostra e a farofa de ostra, que geralmente são vendidas a turistas na comunidade. Em comparação com a ostra exótica, a ostra do mangue é mais suave e tem sabor ligeiramente adocicado, por conta da água salobra. Além de ser consumida in natura, com ou sem tempero, pode ser gratinada, colocada na grelha ou preparada com arroz, macarrão, na farofa e onde mais seus apreciadores a desejarem. O principal meio de comercialização das ostras ocorre através da Cooperostra, que faz entregas nas grandes cidades próximas. No entanto, ainda existem moradores da comunidade e outros pescadores que não utilizam o processo de engorda e permanecem na dependência dos atravessadores para a venda do produto.

Parmesão da Mantiqueira

O Parmesão da Mantiqueira é um queijo de cor amarelo-palha, com crosta lisa e untuosa. Apresenta forma cilíndrica e redonda, com superfície plana. Tem dimensão média de 15cm (formas pequenas) a 30cm (formas grandes). Sua massa é compacta, amarelo-clara, com presença frequente de olhaduras. Sabor salgado acentuado e aroma de leite e gordura acentuados com a maturação. O queijo é elaborado a partir de leite de vaca cru integral oriundo, em maior parte, de gado mestiço, resultante da cruza de raças rústicas com Holandês e Gir (principalmente), mas também Jersey e Nelore.
Os animais são criados livres e a alimentação é feita 90% de pasto formado por variedades locais; apenas no inverno, devido à seca, é ministrada ração se necessário. Desde o século XIX tem-se notícias de um queijo na região com a designação “Parmesão da Mantiqueira”. Há duas versões para a sua origem: uma de que seria uma receita italiana e outra de que teria sido trazida por um dinamarquês. Embora possa ficar, quando mais curado, similar ao queijo parmesão mais conhecido, nesta região ele é em geral consumido fresco ou meia-cura. O Parmesão da Mantiqueira é amplamente consumido pela população local, derretido na chapa do fogão de lenha ou colocado na comida, como o popular “arroz com queijo” em que fatias de queijo são colocadas sobre o arroz na panela, no final do cozimento. Até hoje uma pequena parte da produção desse queijo é transportada em lombo de burro por tropeiros que atravessam a Serra da Mantiqueira por trilha acidentada para chegar em Visconde de Mauá, onde é tradicionalmente vendido para moradores, pequenas vendas e pousadas.
A produção do queijo Parmesão Artesanal da Mantiqueira é realizada nas terras altas da Serra da Mantiqueira, por volta de mil metros de altitude, no estado de Minas Gerais, ao longo das divisas com os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Esta zona abrange diversas cidades-estâncias hidrominerais do Circuito das Águas de Minas Gerais. Além das inúmeras fontes de água mineral, ela é parcialmente cortada pelo rio Aiuroca, cujas nascentes localizam-se no município de Itamonte a uma altitude de aproximadamente 2.540 metros, na Serra da Mantiqueira, próximo ao Pico das Agulhas Negras. Esta região tem clima característico das regiões serranas do Sudeste brasileiro, sendo classificado como tropical de altitude, com invernos secos e frios. Na região da Serra da Mantiqueira, existem várias fazendas de leite, banhadas por águas cristalinas das fontes minerais ou do rio Aiuruoca.
Não há informações precisas sobre os limites da produção deste queijo artesanal, mas alguns municípios já identificados como produtores são Alagoa, Baependi, Cambuquira, Carmo de Minas, Caxambu, Conceição do Rio Verde, Itamonte, Itanhandu, Jesuânia, Lambari, Olímpio Noronha, Passa Quatro, Pouso Alto, São Lourenço, São Sebastião do Rio Verde e Soledade de Minas. A ameaça mais importante à salvaguarda do queijo da Mantiqueira é a legislação que impõe a pasteurização, a transformação da queijaria, o abandono dos utensílios e equipamentos tradicionais em madeira, e demais exigências estabelecidas segundo padrões industriais, e que inviabilizam a sobrevivência dos produtores, colocando-os em posição de clandestinidade.

Pequi

 

 

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O pequizeiro (Caryocar brasiliense Camb) é uma árvore nativa do Cerrado brasileiro medindo até 10m de altura tem troncos tortuosos e casca áspera e rugosa. O fruto, do tamanho de uma pequena laranja, está maduro quando sua casca verde-amarelada amolece. Partida a casca, encontram-se, em cada fruto, de uma até quatro amêndoas tenras envoltas por uma polpa amarela, branca ou rósea, o verdadeiro atrativo da planta. A polpa de coloração amarelo-intensa envolve um caroço duro formado por grande quantidade de minúsculos e finos espinhos com os quais deve-se ter cuidado ao mastigá-lo para chupar a polpa. Entre janeiro e abril, época da frutificação, o ar da região e das cozinhas do Cerrado recende ao perfume desprendido pelo pequi. O pequizeiro é uma planta comum do Cerrado brasileiro, distribuído pelos estados da Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo e Tocantins.
É uma frutífera de grande importância na região norte de Minas Gerais, onde o extrativismo de seus frutos é de grande relevância para a alimentação do sertanejo, além de ser uma importante fonte de renda. Altamente calórico, além do sabor perfumado e único que faz com que seja usado como ingrediente e condimento no preparo de vários pratos, a polpa do pequi contém uma boa quantidade de óleo comestível (cerca de 60%) e é rico em vitamina A e proteínas. Desta forma, é também importante elemento na complementação alimentar e na nutrição de toda uma população. A amêndoa do pequi, pela alta porcentagem de óleo que contém e por suas características químicas, pode ser também utilizada com vantagem na indústria cosmética para a produção de sabonetes e cremes. Seus apreciadores acreditam que a melhor forma de consumi-lo é in natura, assim que maduros.
No entanto, o pequi pode ser transformado em conserva, óleo, licor, doce ou ser congelado, caracterizando-o como uma importante fonte de renda para as comunidades do cerrado. A polpa de pequi em conserva é comercializada em potes de vidro ou plásticos, caracterizando-se por fatias de polpa imersas em solução salina com acidulante ácido cítrico, submetidas ainda a um processo de pasteurização. O óleo de pequi é obtido por processo artesanal de extração, por despolpamento do fruto cozido e posterior separação óleo/polpa por imersão em água refrigerada. É o processo utilizado pelas comunidades tradicionais da região, que se utilizam do óleo principalmente para consumo doméstico, como alimento (óleo de fritura ou azeite) e como fitoterápico. O pequi caracteriza os pratos da culinária regional, sendo muito apreciado para uso nos preparos de arroz, frango e feijão, conferindo um gosto adocicado aos mesmos. O desenvolvimento das mudas de pequi é lento e a fragmentação das áreas do Cerrado, principalmente pelo plantio da soja e eucalipto, bem como pelo extrativismo intensivo, colocam em risco a conservação do pequizeiro e de toda a flora e fauna nativa deste bioma.

Piracuí
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Piracuí, como o próprio nome revela, é uma farinha feita de peixe (do tupi: pira = peixe | cuí = farinha), produzida a partir do beneficiamento de duas espécies principalmente, o acari (Lipossarcus pardalis) e o tamuatá (Callichthys callichthys). Estas espécies caracterizam-se pelo corpo revestido de placas ósseas e pelo hábito de viver nos fundos dos rios, em especial de leitos rochosos, alimentando-se de lodo, vegetais e restos orgânicos. Na época em que os rios atingem o auge da seca – de agosto a outubro – grande quantidade deles fica presa no solo úmido não submerso, onde sobrevivem por poucos dias. Pelo fácil acesso à captura, são aproveitados para o preparo do piracuí. São peixes que apresentam deterioração muito acelerada após a pesca, motivo que reforça a opção dos pescadores pelo beneficiamento do piracuí. Os peixes são cozidos ou assados e prossegue-se um processo de separação da carne, carcaça, espinhas e placas ósseas (também chamadas de iscas).
A carne, assim obtida, é torrada, sendo continuamente mexida sobre uma chapa aquecida no fogo à lenha. Durante o aquecimento, a massa de peixe recebe sal e iscas menores são retiradas. O produto final, de textura semelhante a uma farinha, é resfriado naturalmente e embalado. Entretanto, existe um período em que a reprodução é mais intensa e a pesca é proibida. Trata-se do defeso, período de dezembro a março, estabelecido legalmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Apesar de registros bibliográficos relatarem a antiga ocorrência do piracuí em toda a bacia amazônica e, em casos específicos, em regiões litorâneas do sudeste do Brasil, hoje a produção se concentra na região de Manaus, no estado do Amazonas, e na região do rio Tapajós a jusante de Santarém, no estado do Pará. É nesta última região que se encontra a comunidade Vira Sebo, parte da Comunidade do Alimento Tamuá. Esta comunidade é constituída por pescadoras da várzea da margem direita do rio Amazonas, nas bocas dos rios Uruará e Purús, no município de Prainha. Seus antepassados têm origem no Baixo Amazonas, na região chamada “das ilhas”, e migraram para aquela região entre as décadas de 1930 e 1950.
Tradicionalmente, o produto em questão constitui recurso importante para a segurança alimentar destas comunidades. Hoje em dia a tradição do preparo e consumo do Piracuí tem mudado. Por um lado o acesso dos ribeirinhos a cidades tem aumentado, levando cada vez mais a comida industrializada ao cardápio do dia-a-dia. Por outro lado, o fato do produto não ter um amparo legal para sua produção e comercialização – o que poderia abrir caminhos para o piracuí no mercado de produtos alternativos sustentáveis e gerar renda alternativa – o torna cada vez menos atraente. Estes fatos tem diminuído o número de produtores e ameaça a manutenção desta cultura alimentar a médio prazo. O piracuí pode ser consumido puro, ou usado como ingrediente em variados pratos, como bolinhos, sopas, massas e farofas.

Pirarucu
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O peixe pirarucu (Arapaima gigas), originário da bacia hidrográfica Amazônica, tem certas características biológicas e ecológicas que o torna particularmente atrativo para as populações locais. É um peixe grande que pode chegar ao comprimento de até três metros e pesar mais de 250kg, e é conhecido como o “Gigante Amazônico”. Entretanto, devido à pesca predatória, sua sobrevivência está ameaçada e seu tamanho médio está diminuindo, apesar de ainda serem encontrados alguns indivíduos com mais de dois metros e pesando mais que 125 kg. Outra característica incomum deste peixe é seu aparato de respiração: uma vesícula natatória permite que ele capture oxigênio da superfície como um pulmão. Isto permite que o Pirarucu sobreviva nas águas da bacia amazônica, que tem baixo teor de oxigênio, mas também o torna uma presa fácil para os pescadores. O pirarucu é um peixe predatório que tem origens na era Jurássica e é a principal fonte de proteínas para a população local, os ribeirinhos, que vivem ao longo das margens do rio.
Nas últimas duas décadas, o processo de urbanização acelerado mudou a região e começou a desestabilizar o balanço do ecossistema de lagos, e consequentemente a economia de subsistência tradicional dos ribeirinhos que não estão envolvidos em atividades pesqueiras comerciais. O processo também causou um decréscimo rápido nos estoques naturais de Pirarucu, tornando necessárias as restrições à pesca. Portanto, desde 1991 a pesca durante o período de reprodução (de Dezembro a Março) foi proibida e em 1993 foi estabelecido um tamanho mínimo permitido para a comercialização (1,50m), para prevenir a pesca de indivíduos jovens que ainda não se reproduziram (esta espécie atinge a maturidade sexual muito tarde). Um sistema de manejo sustentável para proteger os estoques pesqueiros e a biodiversidade foi desenvolvido para as áreas alagadas da bacia amazônica.
De acordo com este sistema, os lagos são divididos em três áreas, cada uma com um uso diferente dos recursos naturais (zona de procriação, zona de pesca de baixo impacto e zona de pesca intensiva). Já que o sistema de troca e comercialização tradicionais nesta área já foi contaminado, a única forma de salvar a floresta neste estágio parece ser dando um valor econômico para sua proteção. O pirarucu é base da alimentação tradicional dos ribeirinhos e pode ser consumido fresco, seco e salgado, semelhante ao bacalhau. A carne praticamente não tem espinhos, tem sabor terroso e é adequado para grelhar, cozinhar ou preparar pratos locais, como o “Pirarucu de Casaca”.

Queijo da Serra da Canastra

Captura de Tela 2015-10-05 às 17.32.56O Queijo Canastra é um produto artesanal tradicional e referencial do modo de ser e viver dos habitantes da Serra da Canastra, Minas Gerais. Os municípios que integram o território dos Queijos Canastra são Bambuí, Delfinópolis, Medeiros, Piumhi, São Roque de Minas, Tapiraí e Vargem Bonita. A produção anual é de cerca de 4.500 toneladas e estima-se que 1.800 famílias produtoras estejam envolvidas com a atividade, beneficiando em torno de 7.500 pessoas, sendo que várias delas fazem parte da Aprocan – Associação dos Produtores de Queijo Canastra e/ou da Aprocame – Associação dos Produtores do Queijo Canastra em Medeiros. O Queijo Canastra Tradicional apresenta coloração branco-amarelada, com casca amarelada, podendo apresentar trincas. Sua consistência é semidura com tendência a macia, de natureza amanteigada, compacta. Seu formato é cilíndrico, altura de cerca de 6 centímetros, diâmetro de 15 a 17 centímetros e peso de 1 a 1,2 kg. Apresenta sabor ligeiramente ácido, não picante e agradável.
O consumo se dá, preferencialmente, após a cura ou maturação alcançada em 21 dias. Já o Queijo Canastra Real ou Canastrão, produzido nos municípios de Medeiros, São Roque de Minas e Vargem Bonita, possui maturação mais longa que pode chegar a vários meses, um sabor mais pronunciado e apresenta diâmetro de 26 a 30 centímetros, altura de 7 a 8 centímetros e peso que varia de 5 a 7 kg. Segundo a memória local, este queijo era produzido antigamente para ocasiões especiais, como as visitas de autoridades da Igreja, do Império ou da Capitania. Para a produção do Queijo Canastra utiliza-se leite de vaca integral cru proveniente de rebanho mestiço (Bos taurus e Bos indicus). Como fermento, utiliza-se o pingo, uma substância natural recolhida no soro drenado dos queijos após a primeira salga e que aglutina um conjunto de bactérias lácticas que dá identidade e o sabor característico do Queijo Canastra. Utiliza-se, também, coalho industrial ou natural.
Quanto ao desaparecimento, o Queijo Canastra tem corrido perigo já que tem havido quebra na cadeia de transmissão do saber fazer queijo, pois muitos filhos de pequenos produtores rurais não querem dar continuidade ao seu trabalho, pouco valorizado econômica e financeiramente, preferindo aprender outras profissões e viver nas cidades. Alguns motivos levam a isto como a dificuldade de atender às exigências da legislação sanitária para a produção de laticínios, concebida para indústrias de grande escala, e o tratamento igualitário de pequenos e grandes produtores no tocante a programas de erradicação de enfermidades dos animais, identificação de bovinos e legislação tributária (ICMS). A ausência de uma legislação adequada à pequena produção acaba por empurrar toda a cadeia para a informalidade, não garantindo rastreabilidade dos produtos e apresentando riscos ligados à falta de segurança alimentar. Por outro lado, a iguaria é um dos mais legítimos representantes da gastronomia mineira, tombada como Patrimônio Cultural e Imaterial Brasileiro, e certificada pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) com o selo Indicação Geográfica (IG), na modalidade Indicação de Procedência (IP), que garante sua origem.

Umbu
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Também conhecida como imbú, esta fruta é nativa do nordeste do Brasil e é típica da Caatinga, o sertão desta região semi-árida. O nome vem de uma palavra do idioma dos índios Tupi Guarani, ymb-u, que significa “árvore que dá de beber”. Esta árvore, com sua folhagem em forma de guarda-chuva, tem um sistema especial de raízes que formam grandes tubérculos capazes de armazenar até 3.000 litros de água durante a estação das chuvas, de modo que pode resistir a longos períodos de seca. Um importante recurso numa das áreas mais pobres e mais secas do Brasil, onde a agricultura, baseada no milho, no feijão e na mandioca, sofre períodos cíclicos de seca. As frutas do umbuzeiro são redondas e de tamanhos variados (de uma cereja ao de um limão), têm casca verde ou amarela, é macia e tem polpa suculenta, aromática e agridoce. Elas são colhidas manualmente e podem ser comidas cruas ou transformadas em conservas. Tradicionalmente, elas são cozidas até que a casca se separe da polpa. Depois se escorre a calda, acrescenta-se açúcar de cana e o cozimento continua até que se forme uma gelatina (geleia). Outra forma de preparo é separar a polpa das sementes e acrescentar açúcar, depois cozinhar-se por um longo tempo, até que se torne um doce creme denso ligeiramente amargo.
O umbu também pode ser usado para fazer suco de fruta, vinagre (obtido cozinhando-se as frutas quando estão um pouco passadas), marmelada (obtida a partir de tiras de polpa secas ao sol) e, com a adição de açúcar, uma compota (umbu em calda). A polpa da fruta fresca ou o vinagre, são usados com leite e açúcar para fazer a tradicional umbuzada, que às vezes é comida ao invés da refeição da noite. O umbu está em risco porque depois dá introdução da caprinovinocultura, principal fonte de renda das famílias, não nasceram mais pés de umbuzeiro de forma espontânea na Caatinga, e não dá para saber quanto tempo estas árvores resistirão. A COOPERCUC – Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá, no sertão da Bahia, vem fazendo um trabalho de reprodução de mudas e plantio em algumas das comunidades da região, além de beneficiar o umbu de forma comunitária e produzindo diversos produtos derivados.

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