Charco: com influência sulista, casa de menu autoral prima pelas receitas com carne

Cotechino, brioche, picles de mostarda e cebola (R$ 22): uma das entradas do novo Charco, restaurante com influências do sul do Brasil

Cada vez mais se inaugura, em São Paulo, de restaurantes de ‘autor’ cujo menu não se encaixa especificamente em nenhuma cozinha e o sabores passeiam tanto pela história do chef quanto pelas tendências gastronômicas do momento – e não digo isso pejorativamente. O novo Charco é um bom exemplo.

Pão fofinho, cujo sabor remete a pão de fazenda, e manteiga: couvert do Charco

Com chef (Tuca Mezzomo) e confeiteira (Nathalia Gonçalves) de famílias do Sul do país, o Charco tem pé bem fincado no universo das carnes, onipresentes no cardápio. Mas não é, porém, uma casa de carnes: está mais para “brasileiro com influência sulista”, como escrito na descrição de seu perfil no Instagram.

Ovelha assada, purê de milho tostado e radiche, verdura amarga muito consumida no sul do Brasil

A retomada do fogo – depois de décadas sendo relegado pelo ‘milagre’ dos termocirculadores, que deixam tudo com a mesma textura para desdentados, macia e sem vida- foi muito bem vinda na cozinha profissional, incutindo notas  carameladas e tostadas e tornando essencial o talento do cozinheiro: não há timer que substitua olhar treinado. Da parrilla instalada na cozinha aberta para o salão saem boas pedidas como a tenríssima ovelha assada, servida com purê de milho tostado e radiche (R$ 54) e a Chuleta com mandioquinha na brasa e vinagrete (R$ 119).

Arroz pegado de polvo do novo Charco: correto

Comece a refeição com pequenos bocados/porções, caso do delicioso cotechino (embutido de carne de porco fresca, pele de porco e especiarias) sobre brioche, picles de mostarda e cebola (R$ 22, duas unidades). Há também morcilla com compota de maçã, cebola e ovo (R$ 32) e camarão rosa, avocado e quinoa (R$ 34). Se você for vegetariano, suas opções ali se resumem a duas: salada de abobrinha com creme de ervilha e coalhada seca (R$ 24), como entrada, e vegetais assados com tahine e sementes (R$ 49), de prato principal.

Do mar, há Arroz pegado de polvo (R$ 69). Com molusco macio e bom tempero, porém pouquíssimo ‘pegado’ – aquela irresistível crostinha crocante e caramelizada que se forma no fundo da travessa-, foi meio decepcionante…

Coquetéis do Charco: bem servidos e com destilados nobres, pecam pela falta de personalidade

Para acompanhar a refeição há carta de vinhos naturais e coquetéis. Caros – para um drinque valer R$ 45 precisa ser perfeito -, bem servidos e com destilados nobres, apresentam falta de equilíbrio e erros de escolha de insumos. Por exemplo, não adianta muito misturar a dulcíssima e medíocre tônica Schweppes ao ótimo gin The Botanist, gelo coroado com bagas de zimbro, folha desidratada de beterraba e grapefruit (R$ 45): o gin desapareceu, soterrado.

No caso do Amare (gin The Botanist, Cointreau Noir, sementes de romã e amoras, R$ 45), a adição excessiva de kombucha de hibisco com pimenta rosa fez o coquetel ficar parecendo… kombucha.

O prato que mais gostei no novo Charco: sorvete de butiá, compota de casca de laranja e iogurte batido

O que mais me marcou no Charco foi a sobremesa: criativa, delicada, regional sem ser caricata e tecnicamente impecável. A fruta ícone do Rio do Grande do Sul, o marcante butiá, foi transformado em sorbet e acompanhado pelo dulçor de fundo amargo da compota de casca de laranja. Na boca, sabores ácidos se misturam lindamente com a untuosidade do iogurte batido em consistência de chantilly. Belíssimo doce. Voltarei logo para provar a versão da confeiteira Nathalia para a tradicional cuca de maçã com canela (R$ 18).

Comente

Seja bem-vindo, sua opinião é importante. Comentários ofensivos serão reprovados