Amigo do Rei: uma inebriante jornada pelos sabores do Irã

Halim Bademjam, receita preparada com paleta de cordeiro, lentilhas, berinjela e especiarias piladas demoradamente, até se transformarem em creme, então coroado com Kashq, derivado do leite preparado há mais de 3000 anos.

Uma pequena sala banhada por luz amarelada e inteiramente tomada pela mesa de seis lugares, escrivaninha com computador, estante frágil de madeira escura repleta de lembranças em forma de objetos, muitos quadros. A poucos passos, iluminada pela luz branca intensa, a cozinha, silenciosa como um templo. Só consigo ver as dezenas de potes de temperos, fechados, guardando sua intensidade para a momento preciso. Ali, aquela cozinha estreita, é o reino de Nasrin Haddad. Ali ela faz mágica, alquimia, gastronomia. Ali começa, várias noites por semana, sua viagem de volta a sua terra Natal, o Irã, para a qual leva todos os comensais. Ali, suas secretas receitas de família são o veículo da jornada.

Creme de pistache

Não sabia muito o que esperar daquela refeição. Liguei para a chef uma semana antes e, aconselhada por seu marido, Claudio, deixei o menu em suas mãos. O mais próximo que estive do Irã foi na Turquia- ou seja, em outra galáxia. Ao chegar em sua pequena e simples casa na zona Sul de São Paulo, minha primeira grata experiência foi ouvir as ricas e encantadoras histórias dessa iraniana que, há 34 anos, veio para o Brasil por se recusar a viver num regime islâmico, e de seu esposo, talentoso pintor e joalheiro (olhe ao seu lado, na maior parede do recinto, e procure o belíssimo caleidoscópio de prata, feito por ele). Muitas gratíssimas experiências se seguiram, então.

Boas vindas, entrada, dois pratos principais e uma sobremesa. A cada uma das etapas chegava mais perto de uma terra que nunca conheci, de sabores que jamais provei. Encantamento é o termo que mais se aproxima do que senti naquela refeição.

Tah Chin-e Morg: peito de frango com acafrão, arroz Tahtin (receita tradicional persa com açafrão e zerresk, frutinha iraniana ácida) e Borani, espinafre com iogurte caseiro

Moradores de Belo Horizonte por nove anos, tempo no qual tiveram o restaurante iraniano Amigo do Rei, ganhador de prêmios e elogios, mudaram-se para São Paulo, há dois, cansados de tentar abrir espaço numa cidade hermética a novidades. Aqui, alugaram uma pequena casa e começaram a oferecer jantares para grupos de até seis pessoas. Depois, montaram um stand na Feirinha Gastronômica da Vila Madalena, no qual o público pode, nos domingos de setembro, ter o primeiro contato com as especialidades.

Sensacional: Shikampareh. Berinjelas com carne moída, alho, especiarias. Servido no meu segundo jantar no O Amigo do Rei

Não vou me alongar demais na descrição: as receitas de Nashrin precisam ser provadas, não narradas, especialmente porque é bem complicado explicar a magnitude de sabor, a delicadeza e a beleza de uma cozinha tão rica e inexplorada por mim. O que posso afirmar é que me emocionei com a primeira colherada de Halim Bademjam, receita preparada com paleta de cordeiro, lentilhas, berinjela e especiarias piladas demoradamente, até se transformarem em creme, então coroado com Kashq, derivado do leite preparado há mais de 3000 anos. Posso afirmar que me encantei com a acidez macia da Óche Anór, sopa milenar de romã, especiarias e carne. Posso afirmar que fui invadida por uma tremenda gratidão por Nashrin me servir algo tão delicado e intenso e belo como o Ranghinack, tâmaras recheadas com nozes, polvilhadas por pistache, servida sobre uma mistura doce, arenosa e viciante – e também, secreta.

Fui de novo e comi de novo: Ranghinack. Para acompanhar, chá preto.

Agradeço demais por noites assim. Agradeço demais por poder provar pratos preparados com o melhor ingrediente do mundo: paixão por sua história, sua terra e seu ofício.

“Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
(…)

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada” – Manuel Bandeira

A razão do nome Amigo do Rei, é este poema do meu poeta predileto no mundo, no qual fala sobre a região de Pasárgada, no Irã. Mas não fique triste se você, como eu, achou que Pasárgada fosse apenas um lugar imaginário…

Amigo do Rei: reservas através do site (CLIQUE AQUI). Preços de R$ 85 a R$ 126 por pessoa. Também fazem jantares para até 20 pessoas na casa do cliente.

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