Sustentabilidade é só modinha?

Fagottelli Carbonara La Pergola, Heinz Beck (Itália): o melhor prato da noite

“Sustentabilidade” é a nova “globalização”: termo de significado abrangente usado por qualquer um que queira parecer moderno/engajado. Mas é algo tão importante que chega a ser vital, no sentido original da palavra.

Cachaço de porco e lagostim de Nuno Mendes (Inglaterra)

Sustentabilidade é algo bem simples: conjunto de medidas que visam tornar a vida no planeta, daqui há uma ou duas ou dez décadas, tão boa ou melhor do que é agora; ações e métodos de produção que se sustentem (e não consumam, sem volta, os recursos naturais). Ou seja: como fazer para que o mundo não vire uma bola de desgraças ambientais que, inevitavelmente, tornam-se desgraças humanas.

E é a sustentabilidade o tema central, neste ano, de um dos maiores eventos gastronômicos do brasil, a Semana Mesa São Paulo, promovida pela Prazeres da Mesa em parceria com o SENAC. Segunda, para marcar a abertura do evento, aconteceu o chamado Jantar da Terra, no restaurante Dalva e Dito. Vários chefs nacionais e internacionais (alguns premiados com estrelas Michelin) prepararam um menu “sustentável”, harmonizado com vinhos orgânicos/biodinâmicos. O convite custava R$ 2500 por pessoa, com lucro destinado à instituições de caridade.

Ambiente do Jantar da Terra, realizado no Dalva e Dito

O salão estava cheio: 350 pessoas. Todas bonitas, sorridentes, alegres com o champagne Moët & Chandon que era infinitamente vertido nos copos. A única coisa triste é que, tenho certeza disso, pelo menos metade do público que lotava as mesas enfeitadas com alfaces plantadas em vasinhos não tinha noção do que se tratava aquele jantar.

Uma presente que, certamente, sabia bem do que se tratava era a  senadora Marina Silva, notoriamente preocupada com assuntos relacionados à ecologia e a sustentabilidade. Doa 26 pratos, comeu apenas 1!  Bebendo água sem gelos e sem gás, deliciou-se com uma porção do ratatouille do sertão de Alex Atala (maxixe, chuchu, abóbora, jiló, batata roxa, batata doce), no qual dispensou o pirarucu que fazia parte. Ela é vegetariana, abstêmia e não come nada industrializado. Mas, que fique claro, ser sustentável NÃO QUER DIZER ser, digamos, minimalista…

Sumi Beef feito com carvão de alho-poró, acompanhado de atemóia e graviola de Yoshihiro Narisawa (Japão) e Tandoori Tamboril com Lulas de Atul Kochhar (Inglaterra
Ceviche em texturas, de Gastón Acurio (Peru)

No começo do ano entrevistei Claus Meyer, chef , empresário (dono do NOMA) e um dos fundadores do movimento da Nova Gastronomia Nórdica. Não vou me alongar falando sobre todos os preceitos dela, mas posso dizer que ela é altamente sustentável mesmo sem se denominar desta forma. Claus prega, basicamente, o uso somente de ingredientes locais, respeitando sua sazonalidade; incentivo para pequenos produtores. Traduzindo:

* Precisamos conhecer– e comer–  ingredientes locais. Paulistanos adoram blueberry dos EUA, tâmaras do Oriente Médio…. Nenhum problema,  não fosse o fato de ignorarmos completamente ingredientes brasileiros enquanto trazemos frutas, verduras, queijos, carnes, atravessarem o mundo– em aviões que emitem poluentes ou navios que vivem causando derramamentos. Ignorância é tão nefasto quanto esnobismo. Porque não começamos a fazer mousse de mamacadela, sorvete de brejaúba, salada de maxixe, bolo de abiu?

* Somos muito mal acostumados. Em dezembro, queremos mexirica: e encontramos. Da mesma maneira que encontramos atemóia em janeiro e jabuticaba em julho. Mas isso não é bom– é, na real, péssimo. Produtos sendo vendido foram de sua estação indicam duas coisas: excesso de químicos para que cresçam e muito tempo na estufa para que amadureçam. O que comemos, nesses casos, é um ingrediente ruim, em todos os sentidos.

* Apoiar pequenos produtores significa apoiar melhores e mais saudáveis produtos: eles não buscam a larga escala; sua sobrevivência vem da qualidade do que plantam/produzem.

“Campfire” S´More bomb/ Trufa de chocolate, de Ben Roche (EUA) e ravióli de limão com banana ouro e priprioca de Alex Atala

Na época, perguntei para Meyer se ele viria para o Brasil falar sobre a Nova Gastronomia Nórdica. “Falar, sim. Cozinhar, nunca. Só o fato de ter que levar os ingredientes da Dinamarca já tornaria a refeição o oposto do que prego”, disse. Por isso gostei do Jantar da Terra: Alex Atala, o inglês Shane Osborn, o alemão Heinz Beck, o japonês Yoshihiro Narisawa, o peruano Gastón Acurio, todos priorizaram ingredientes brasileiros (pena que não foram utilizados SOMENTE produtos locais, algo totalmente razoável dentro da proposta). Não achei todos os pratos sensacionais, assumo, mas o intuito foi atingido.

Só espero que, ao sair, as pessoas não tenham somente comido, tenham também compreendido.

Bolo de damasco com gelatina de Amaretto e sorbet de damasco de Marcus Wareing (Inglaterra)

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